“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O
espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações.
Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com
jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha
alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra
paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer
janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo,
esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como
única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente
cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide
que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda
não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo
silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá
desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um
corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são
quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro
problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é
preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos
amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos
seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...
Clarice
falem o que quiser,
mas usaria facilmente todas as palavras dela.
Fernanda
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